Por: Lila Bemerguy
Os ministros do STF decidiram que não é necessário passar por uma universidade para ser jornalista. Com absurdos argumentos, tipo “jornalismo é arte, é poesia”, acabam de dar um profundo golpe na qualidade do jornalismo brasileiro. Por trás, a lógica capitalista. Sem a exigência do diploma, os sindicatos são enfraquecidos, os salários podem ser rebaixados, já que qualquer um que bata na porta de uma empresa dizendo que sabe escrever um texto, pode ser contratado. Ora, passei, entre a graduação e especialização, cinco anos estudando para ser jornalista. E não acho que isso possa ser jogado no lixo.
Como, caros senhores do Supremo, alguém recém-saído do ensino médio, ou um arquiteto, engenheiro, médico, cozinheiro, motorista, advogado, seja lá o que for, pode saber tecnicamente as regras do lead e da pirâmide invertida? Como podem ter acesso às teorias da comunicação, à história da imprensa, como saber dos conceitos de comunicação, de informação, de assessoria de imprensa, do jornalismo especializado, de projetos de gestão de comunicação organizacional, e principalmente, da ética que envolve o trato da informação? A academia nos fornece essa oportunidade. Outros profissionais diriam: os advogados, os médicos, também “estudam” ética. Mas na seara deles. Na nossa, é outra história.
Como menosprezar o trabalho de autores como Jorge Duarte, Wilson Gomes, Gaudêncio Torquato, Wilson Bueno, Lucia Santaella, Luis Miguel e outros, que tem pesquisado com profundidade o fenômeno da comunicação, a influência da mídia na sociedade moderna, a convergência de tecnologias, o uso da comunicação pública como instrumento de cidadania, a relação entre política e comunicação, a leitura crítica dos instrumentos de mídia. Todos esses temas são tratados na universidade. Não passamos o curso inteiro aprendendo a escrever um texto com português correto, muito menos a falar para “o vídeo”. Aprendi a escrever corretamente desde que comecei a ser alfabetizada. É um aprendizado necessário antes do ingresso em qualquer curso universitário.
Dizer que a exigência do diploma fere a liberdade de expressão? Venham com outra, que essa é no mínimo ridícula! Uma coisa nada tem a ver com a outra. A liberdade de expressão tem outras bases, no direito de qualquer ser humano expressar sua opinião, desde que o mundo é mundo. Vêm de lutas contra ditadores e opressores, seu exercício foi causa de mortes e torturas. É como se dissessem: só os “formados” em jornalismo podem se expressar. Os outros não! Sabemos que isso não acontece. O buraco é mais embaixo. O fato de ter ou não um diploma não influencia na liberdade de expressão, mas sim o espaço onde ela é exercida, e o nível de tolerância de cada sociedade.
Afirmar que a informação mal trabalhada não traz nenhum mal para ninguém? Digam isso para aqueles donos da Escola Base (lembram?). Na UNB, o professor Luis Martins coordena um grupo dentro do curso de jornalismo, que trabalha somente com as chamadas “vítimas da mídia”. Pessoas que tiveram a sua vida destruída por conta da falta de ética no trato da informação. Venham com outra, ministros! Não quero afirmar que a universidade forma profissionais perfeitos. Temos os picaretas, os mercenários também. Como temos médicos que esquecem algodão dentro da barriga do operado.
Então, o próximo passo é dispensar o diploma para carreira jurídica. Basta conhecer as leis. Para ser ministro do Supremo, basta conhecer MUITO, as leis. Para ser engenheiro, pode só saber construir uma casinha. Pra ser matemático, basta saber fazer contas complexas. Pra ser pedagogo, basta saber dar umas aulinhas. Pra ser enfermeiro, é só saber aplicar injeção. Que tal fechar logo as universidades? O Brasil com certeza vai ficar melhor...pra eles.
quinta-feira, 18 de junho de 2009
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15 comentários:
Oi, Lila
Nem todos os argumentos dos ministros do SFT são consistentes e merecem apoio. Mas me diga: e como se mantém o jornalismo de todo mundo sem a obrigatoriedade do diploma de jornalismo? Fomos o primeiro país do mundo que tem imprensa merecedora desse nome a instituir a obrigação. Quando? Em 1969, menos de um semestre depois do AI-5, por ato monocrático da Junta Militar, através de decreto-lei. No período mais negro da república brasileira, a inovação visou atender a liberdade de imprensa e os jornalistas? Claro que não. O decreto 976 é o filhote do AI-5 para controlar a imprensa, do qual finalmente nos livramos. Podemos retomar a luta que travávamos até então para termos bons cursos de jornalismo em particular (e não apenas de comunicação social em geral), valorização do diploma, do salário e etc., como se faz em todo mundo. Nos EUA, por exemplo, qualquer um pode ser jornalista e por lá estão alguns dos melhores cursos de jornalismo do mundo. Da mais famosa dupla de repórteres de todos os tempos, um (Carl Bernstein) era e é jornalista, formado por Columbia; outro (Bob Woodward), era tenente da Marinha quando trocou pela redação. E Woodward provou ser mais jornalista do que o seu parceiro na apuração do escândalo de Watergate. No Brasil, com o monopólio do diploma, ele teria ficado de fora. Não podemos continuar a ser a anomalia em que o AI-5, por seu instrumento específico, o decreto do diploma, nos queria transformar.
Um abraço,
Lúcio Flávio Pinto
Lucio, eu entendo o teu ponto de vista. Mas sinceramente, não acho que isso vá funcionar aqui no Brasil. O fato do decreto ter servido, na época, pra controlar a imprensa, concordo. Mas penso que a sua extinção na atual época também não é benéfica e só vai enfraquecer os cursos. Obrigado pela tua opinião. Enriquece o blog. Um abraço!
Insisto, Lila: todos os países, sem exceção, adotam o mesmo princípio. Eles têm cursos de jornalismo (e não apenas de comunicação social) e não impõem a obrigatoriedade do diploma de jornalismo. Este é um daqueles valores universais. Se acharmos que ele não tem validade no Brasil, ou na conjuntura atual do Brasil, podemos repetir a falácia dos nossos ditadores. Eles adicionaram adjetivos acompanhantes à democracia deles, que "institucionalizaram" com os tais atos numerados a partir de abril de 1964, que mantinham a aparência de democracia e eliminavam sua substância: democrativa relativa, democracia social e - a invenção suprema - democracia à brasileira. Millôr ironizou: à brasileira, só feijoada.
Tudo pela pluralidade.
Lúcio
Muito pertinente o artigo.
Já imaginamos como será exercido o jornalismo no interior do Pará, onde ainda se morre por encomenda?.
Rádios, jornais e tevês vão virar depósito de pistoleiros, mercenários, políticos e descocupados.
Embora reconheça o trabalho de colegas sem formação superior no interior, posso atestar que muitos desses profissionais têm procurado os cursos de comunicação em busca de uma melhor qualificação.
Em Santarém, tenho alunos de jornalismo de sete municípios da região Oeste do Pará. Eles relatam as dificuldades de trabalhar sem base humanística e aprimoramento intelectual.
Mas agora, com a decisão do STF, as empresas estão livres para contratar quem bem quiserem. Inverteu-se o direito à livre manifestação. Não se trata deste ou daquele cidadão sem graduação em jornalismo ter livre acesso ao mercado de trabalho. A vez será da empresa decidir quem vai escrever o que a empresa julga de seu único interesse. A sociedade que se dane.
Me preocupa, ainda, os baixos salários e as precárias condições de segurança em que os profissionais do interior são submetidos diariamente.
Se com uma legislação, embora defasada, as empresas usam e abusam, imaginem agora, que a categoria ficará errante, sem os mínimos direitos trabalhistas.
Lila,
Concordo integralmente com seu ponto de vista. O jornalista Lúcio Flávio Pinto, que merece todo nosso respeito, só esqueceu de dizer que nestes países citados a legislação do setor impede monopólio e o ingresso na profissão sem a mínima qualificação. Na maioria absoluta deles (cito Espanha, Itália e Inglaterra), o acesso ao exercício profissional é regrado por Comitês tripartites (patrões, trabalhadores e Estado) e/ou Conselhos (espécies de autarquias federais).
A obrigatoriedade era regra única de acesso à profissão que garantia tênue "fiscalização" de parte das entidades sindicais. Quando as entidades sindicais de jornalistas defenderam, há pouco mais de dois anos, a criação de um Conselho Federal, foram histericamente combatidas pelos mesmos defensores da "liberdade de expressão" de agora.
Para além dos aspectos profissionais, entendo o jornalismo como forma de conhecimento social, hoje indispensável à formação da opinião da cidadania. Há pelo menos trinta anos pesquisadores da qualidade do próprio Lúcio Flávio e Manuel Dutra, para citar apenas dois paraenses, se dedicam à investigar o fenômeno da mídia e do jornalismo em nossos dias. Esse conhecimento foi desprezado, de forma vil, por Gilmar "Dantas" (segundo Ricardo Noblat) e seus parceiros de aventura.
Os argumentos dos "doutos" do STF, caro Lúcio, trasitaram entre a leviandade e a falácia, pura e simples.
Ontem mesmo, dia do julgamento, segundo informa Alberto Dines (Observatório da Imprensa, 18/06/09), um dado põe por terra a falácia da liberdade de expressão: "Para derrubar esta argumentação basta um pequeno exercício estatístico: na quarta-feira em que a decisão foi tomada, nas edições dos três jornalões, dos 29 artigos regulares e assinados, apenas 18 eram de autoria de jornalistas profissionais, os 11 restantes eram de autoria de não-jornalistas. Esta proporção 60% a 40% é bastante razoável e revela que o sistema vigente de obrigatoriedade do diploma de jornalismo não discrimina colaboradores oriundos de outras profissões". O argumento não resiste à simples observação do que acontece na vida real.
A grande questão, querida Lila, neste caso como no da "Lei da Imprensa" é derrubar uma suposta lei "autoritária" e nada colocar no lugar. A lei aprovada na ditadura militar não impediu que os jornalistas éticos e comprometidos com os interesses maiores da sociedade lutassem, no front jornalístico e no espaço público, pelo resgate da democracia e dos valores universais.
Vivo em Santa Catarina, um estado no qual cerca de 90% do conteúdo jornalístico produzido e comercializado pertence a um mesmo grupo, a Rede Brasil Sul (RBS, da família Sirotsky). Trata-se de uma realidade sobre o qual o STF nem os defensores ferrenhos do fim da obrigatoriedade do ensino superior nada dizem. Neste marco jurídico e estado de coisas em geral, os barões da mídia e seus sócios, especialmente nos jornais do interior, brindaram com champanhe a decisão do STF.
No mais, se é verdade que o ensino do jornalismo precisa e deve se qualificar cada vez mais, isto é fato a todas as profissões - e à educação brasileira, da ed. infantil à pós-graduação. Os cursos "picaretas" nem deveriam ter sido autorizados - e quem de direito nessa hora sequer é citado (governo FHC e a mercantilização ou pura e simples avacalhação do ensino superior).
A questão, a meu juízo, é muito mais complexa do que ter ou não o diploma de curso superior. Afinal, jornalismo deveria ser prestação de serviço à sociedade, cuja matéria nobre é a informação - que deveria ser tratada como um bem público. Mas, os "doutos" do STF preferiram acatar os pífios argumentos patronais e, sem disfarces, decidir contra o interesse público.
Na maioria dos países, o acesso é simplesmente livre. Os três países citados têm sua comissão de seleção, mas sua ação é muito contestada e combatida. Na Itália, sobretudo, e não por acaso é o país com a pior imprensa dentre todos os de linha de frente, com um espírito corporativo forte, quase de máfia (contra a qual se insurgem jornalistas independentes). Tenho perfeita consciência do interesse patronal por trás de algumas das falsas bandeiras pela livre expressão (do dono). A principal plataforma de luta dos jornalistas antes do AI-5 da imprensa, que foi o decreto-lei da regulamentação profissional pela Junta Militar, era justamente combater a figura do colaborador, que, entre outras funções, servia de exército de reserva aos patrões. O combate terá que ser retomado, em função dos abusos que sempre foram praticados, ontem como hoje. Mas como agora estamos realinhados à tradição universal da formação de quadros para o jornalismo, as representações sindicais, os profissionais e a opinião pública deverão exercer a vigilância, a denúncia e a ação contra os problemas que havia antes e haverá agora.
Esqueci de me identificar de novo: Lúcio Flávio Pinto, autor do último comentário.
Isso lembra a proclamação do fim do teatro e do rádio com o cinema, o fim do cinema com a TV e que a internet seria de pouca abrangência...Guardemos para sofremos de nossa própria arrogância e ignorância. E por falar nisso, e vc Flávio, quando foi que prestou vestibular pra Comunicação Social mesmo? Quando à você lia, publica onde?
Diógenes, respondendo sua pergunta, eu sou assessora de imprensa do Ministério Público do Estado no Polo Baixo Amazonas, e escrevo notícias dessa região no site do MPE (www.mp.pa.gov.br), dentre outras funções. Penso que ser jornalista é algo muito aquém do lugar onde se "publica". Um jornalista pode exercer inúmeras funções além dessa, inclusive de pesquisador.
era só por curiosidade de sua atuação, nada de afrontar o glamour da profissão. Forte Abraço!
Se é para escolher os melhores, que tal entre os diplomados?
Não é estranho que justamente a patronal, sem dissidências em seus órgãos representativos, apoie a decisão do STF?
É uma clara tentativa de enfraquecer a categoria.
Todos os autores que pensam a comunicação social são importantes para a formação do jornalista, mesmo quando suas obras não se refiram diretamente à profissão.
Sabemos que a formação de um arcabouço teórico e cultural não se faz em quatro anos de curso, mas vejam bem, é o mínimo.
A seleção dos melhores será por competência, afinal Edyr você não deve achar que as quitandas de diplomas emergentes que surgem em penquas, sejam os instrumentos de avaliação da qualidade e conteúdo das mensagens que se tornam públicas. O argumento pífio de que os donos dos meios baixarão o nível profissional vai à contra-mão do que está ocorrendo, já que o impresso perde a cada dia espaço para mídias inovadoras como os espaços virtuais que postam vídeos, maiores quantidade de imagens, feedback, entre outros e o que vai manter a leitura dos jornais será justamente a credibilidade e a qualidade dos jornais e suas publicações.
No mais quem não deve não teme e concordo novamente com o Lúcio e Paulo Henrique Amorim, e tantos outros Grandes Jornalistas: Jornalista deveria estudar tudo no curso superior: Medicina, Ciências Sociais, Matemática, Direito, etc..Menos Jornalismo, pois este pode sim ser assimilado em suas regras básicas.
Taí o nível da imprensa que por 40 anos fede à perfume patronal.
Discordo de posicionamentos que citam como padrão modelos
externos sem comparar com a realidade de cada país. É sempre bom ficar com um pé atrás.
Argumentações do tipo "todos os países do mundo", "nos EUA é assim", sem discorrer sobre o que levou para que fosse dessa forma naquele lugar.
Vamos lá:
1 - Repito, já pararam pra pensar
porque só eles, sem exceção de nenhuma entidade oficial patronal,
gostaram da decisão do STF?
2 - Essa decisão vai aumentar o piso salarial nas redações ou a
tendência é reduzi-lo? Adivinhem...
3 - Só qweria saber como, segundo alguns, isso pode beneficiar freelancers e outros, quando mesmo com organização sindical, frequentemente os direitos sociais são atacados, e haja dissídio coletivo no TRT por falta de acordo.
4 - Quem já foi demitido de algum veículo celetista aqui no Pará sabe
como é na hora da rescisão, não é mesmo?
5 - A decisão do STF visa enfraquecer a categoria, mas vamos fazer de tudo para que isso não aconteça.
6 - Os melhores devem ser escolhidos para trabalhar? Que tal os melhores entre os diplomados? Hein, hein?
7 - Conheço quitandas de todo tipo, em cursos de direito, administração, pedagoaia, letras, jornalismo e outras.Sempre os melhores ficarão - entre os diplomados - é a seleção natural
8 - AVISO: se vc. tem "o dom", então procure fazer um curso de
jornalismo. Quando alguém tem a carreira jurídica nas veias não vai a uma faculdade? Quando alguém tem vocação para ser cirurgião também? Se ama cálculo estrutural não vai ser engenheiro?
Conclamamos todos os conomistas, sociólogos, psicólogos,assistentes sociais, advogados a fazerem o curso de jornalismo, não vão se arrepender.
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